Profº Juliano Mota
Há alguns dias atrás, ouvindo as músicas do álbum dos titãs produzido em 1987, denominado “Jesus não tem dentes no país dos banguelas”, comecei a refletir que algumas destas músicas tinham relação com o cotidiano da sociedade brasileira, principalmente no que diz respeito aos direitos humanos. Percebi que apesar de 26 anos separarem a confecção deste álbum aos fatos que estamos vivenciando, as semelhanças não são meras coincidências. É sobre a defesa, e ao mesmo tempo a agressão, do que é minimamente garantido aos seres humanos que irei discutir, considerando o contexto sociocultural e temporal que estamos inseridos, bem como fatos históricos e políticas públicas que se coadunam numa sinfonia nem sempre tão afinada.
Quando os Titãs proclamavam aos quatro cantos do Brasil pós-ditadura, que a gente não quer só comida, mas também diversão e arte, eles já atentavam também para o descaso das autoridades com um dos direitos constitucionais: lazer. Em uma sociedade em que a ausência de espaços e incentivos à pratica da diversão é uma constante, e as ainda escassas políticas públicas de incentivo cultural estão sob o monopólio de um grupo de poucos privilegiados (os pontos de cultura são um exemplo), utilizando-se destes apenas para realizar seus interesses, não ofertando a população, da maneira devida, a “saída para qualquer parte”, como diz a canção, torna-se cada vez mais difícil o acesso ao lazer.
Você tem sede de que? Você tem fome de que? Esses questionamentos são cabíveis a uma população que não tem quaisquer dos seus direitos minimamente respeitados. Uma população que busca, principalmente na aplicação da justiça, o alívio para as dores das injustiças e que entende que não é apenas o dinheiro que garante a felicidade. As pessoas vêem no noticiário um Brasil que não está inteiro em prosperidade e sim pela metade. Longe de um Éden e próximo da terra em que a esperança não é a última que morre. A falta de eficiência e legitimidade dos serviços públicos de segurança e justiça, mesmo depois da transição para a democracia, acelerou o aumento da violência e com ela muitas outras mazelas sociais que ampliam o abismo social entre as classes brasileiras.
A vida do brasileiro é como um circo com um palhaço sem graça. A impunidade, os diversos tipos de violência, a ausência ou precariedade nos serviços básicos dados a população nos fazem ficar frágeis feito uma criança, não só por medo ou insegurança, como fala a música diversão, mas por falta de perspectivas que estes direitos sejam um dia respeitados. Reflexo disso é que na última década somos bombardeados por fatos e acontecimentos dos mais macabros e agressivos através dos programas de TV, bem como outros meios de comunicação de massa (estes quebram recordes de audiência), justamente por explicitar da forma mais sensacionalista possível as mazelas e violações dos direitos humanos. Isso se dá muitas vezes pela condição de um Estado ineficiente e sem programas de políticas públicas de segurança. Isto contribui para aumentar em um povo, muitas vezes apático, passível e negligente no seu papel de fiscalizador do bom andamento da democracia, a sensação de injustiça e corrupção permanente.
Os presos fogem do presídio, imagens na televisão. Mais uma briga de torcidas, acaba tudo em confusão. A multidão enfurecida queimou os carros da polícia. Os presos fogem do controle, mas que loucura esta nação! Esta Desordem (canção) é produzida e apresentada em um contexto de diálogo pela proteção e preservação da vida e culmina no desenvolvimento da política nacional de direitos humanos do Estado brasileiro no retorno ao governo civil (1985), e ela estará de forma mais definida através do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), lançado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, em 13 de março de 1996. É importante resaltar que não há lutas pelos direitos humanos sem conflitos, obstáculos e resistências, sendo uma responsabilidade compartilhada entre governo e sociedade civil, mesmo que existam políticas públicas que busquem garantir os direitos das coletividades, assim como o PNDH.
Mesmo com a velocidade da informação, a busca constante pelo conhecimento, o discurso permanente de tolerância, liberdade e respeito a desordem continua a ser cantada nas ruas do Brasil, numa melodia triste e desarmoniosa como essa: Os traficantes fogem das comunidades pacificadas, postagens na internet. Mais um cidadão é queimado ou esquartejado, e as chacinas nas ruas, hospitais e presídios revelam que esses não são casos de exceção. As passeatas terminam em agressão e depredação. Os presos e seus celulares seguem no controle, eis aí nesta pátria tantos casos de omissão. Estamos desta forma tentando o suicídio social, pois andamos na contramão do tempo e dos acontecimentos, quando a greve é o único recurso e não o último. No momento que quem deveria cuidar esta matando, quase que indiscriminadamente, as leis transformam-se em um jeitinho brasileiro e o prevenir, dialogar e a valorizar dão espaço a remediar, punir e discriminar.
Saúde, segurança, educação, emprego e moradia, eis aí o antídoto social prescrito pelos doutores em corrupção, digo, em enganação, os políticos (se não todos, boa parte), para evitar a depressão e o suicídio social. Mas, será que essa receita não está repetida demais (que o digam o PSDB e PT), ou será que é a dosagem que já não faz efeito? Será que diagnosticaram da forma certa? Talvez esses pacientes, ou melhor, impacientes, não souberam escolher bem, sofrendo com uma medicina curativa em vez da preventiva, esperando que o remédio mais uma vez venha do exterior e persistindo na mesma receita, dosagem e diagnóstico. Não podemos permanecer na inércia das letras mortas das leis, segurando as muletas do assistencialismo, ou alienada com os presentes dominicais dados pelos pais dos pobres na televisão. Devemos sim, buscar a reflexão, sem radicalismos, nem conservadorismos, mas com a sagacidade do pensar, discutir e agir que é inerente ao ser cidadão (independente de etnia, credo e opção sexual) que deseja uma história diferente do que os Titãs contam na canção "Violência".
Fonte: d'O Historiante
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