Uma eleição escolar pode decretar uma ironia
histórica: o nome do ativista político Carlos Marighella (1911-1969) poderá
batizar uma escola em substituição ao do ex-presidente general Emilio
Garrastazu Médici (1905-1985). Os alunos do colégio estadual, no bairro do
Stiep, na orla de Salvador, realizaram a votação esta semana. Já no Rio, por
iniciativa da Comissão da Verdade do Rio, e com a colaboração das secretarias
estaduais de Assistência Social e Direitos Humanos e de Educação, a Escola
Estadual Presidente Costa e Silva, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, terá
seu nome mudado para Abdias Nascimento. A cerimônia que marcará a adoção do
novo nome será amanhã à tarde.
Marighella ficou em primeiro na eleição
da escola baiana, com 406 votos, e o geógrafo Milton Santos em segundo, com
128. A secretaria estadual de Educação informou nesta quinta, contudo, que
ainda não foi comunicada, oficialmente, pela direção da escola sobre a
pretensão da mudança do nome e tampouco o resultado da votação. Quando isso
ocorrer vai decidir se troca o nome.
A ironia histórica de uma eventual
mudança de nome é porque Marighella, líder da luta armada por meio da Ação
Libertadora Nacional (ALN), foi morto na repressão aos opositores da ditadura
militar exatamente quando Médici era o presidente do Brasil.
- Mudar o nome da escola é um anseio
antigo, principalmente dos professores da área de Ciências Humanas, como
Filosofia e História. Este ano, resolvemos levar o projeto de mudança de nome à
frente - explica Aldair Dantas, diretora do Colégio Médici.
Fundado em 1972, o colégio tem cerca de
mil alunos e oferece cursos do ensino fundamental, a partir da 6ª série, ensino
médio e formação profissionalizante. A votação começou no início de dezembro
com os pais dos alunos. Depois votaram alunos e professores. Além de material
produzido pelos alunos, como vídeos e exposição, a escola programou palestras
sobre os perfis de Marighella e Milton Santos.
Se a ideia partiu da escola, pelo menos
o debate sobre o golpe militar e seus desdobramentos está sendo estimulado pela
Secretaria de Educação por meio do projeto "Ditadura militar - Direito à
memória, 50 anos do golpe de 64", lançado em julho deste ano. A reportagem
procurou o Ministério da Defesa, por meio da assessoria de comunicação, para
falar sobre a mudança e a preservação da memória de generais que foram
presidentes durante o regime militar, mas até o fechamento desta edição não
houve retorno.
Autor do livro "Marighella: o
inimigo número um da ditadura militar", o jornalista e escritor Emiliano
José, ex-deputado do PT, elogia a iniciativa:
- O ideal é que a escola ficasse com o
nome tanto de Marighella como de Milton Santos. Como não é possível, eles já
merecem parabéns pela beleza de iniciativa.
Antropólogo e ex-preso político,
Roberto Albergaria elogia a iniciativa, mas alerta para o que considera risco
de invisibilizar a participação de civis no sistema ditatorial.
- Não se pode concentrar todo o mal na
figura dos militares, pois grandes medalhões da política e da intelectualidade
baiana compactuaram com eles para manter seus privilégios ou se omitiram -
afirma.
Albergaria foi militante do Partido
Comunista Revolucionário (PCBR). Em 1974 foi preso. Estudante universitário na
época, passou seis meses preso e seis anos respondendo a processo:
- Nesse período, não consegui emprego e
nem mesmo a carteira de habilitação. Era um terrorista e comunista, o
equivalente a um pária na época.
Homenagem a lider negro
O processo de mudança do nome na Escola
Estadual Presidente Costa e Silva começou em agosto deste ano, quando a
Comissão da Verdade do Rio deu início a uma discussão com alunos e professores
da escola, o que culminou com uma votação entre eles para a escolha do novo
nome, Abdias Nascimento. Fundador do Teatro Experimental do Negro e o primeiro
deputado federal a dedicar seu mandato à luta contra o racismo, Abdias foi
também senador e, no governo fluminense de Leonel Brizola, ocupou a Secretaria
de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras do Estado do Rio de
Janeiro.
A CEV-Rio será representada na
cerimônia de mudança de nome, marcada para às 15h na escola, pelo seu
integrante Geraldo Cândido. Está prevista, também, a presença dos secretários
estaduais de Direitos Humanos e de Educação.
Oglobo
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