Surfando Com a Notícia
Quebrou a perna, braço ou joelho? O médico indicou uma
cirurgia para colocar uma prótese? Sua mãe caiu e quebrou a bacia? O médico
disse que, para consertar, só com uma prótese? A coluna dói, você chora de dor,
e o médico indicou uma cirurgia? Cuidado. A medicina brasileira está mais
doente do que você. Gravemente doente.
Depois das denúncias de estupros cometidos em festas dentro
da prestigiosa Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, agora uma
excelente reportagem do “Fantástico”, publicada no último domingo (4/1),
escancara o cruel modus operandi de uma máfia de médicos e fabricantes de
próteses ortopédicas, que opera tanto em sofisticados hospitais particulares
quanto no SUS.
Na essência, o negócio consiste em oferecer gordas vantagens
financeiras para que médicos inescrupulosos indiquem cirurgias em que se usem
próteses ortopédicas caríssimas. Detalhe: a reportagem mostrou que, em muitos
casos, essas cirurgias são feitas, e as próteses são colocadas, mesmo que os
pacientes delas não necessitem.
Calcula-se que, só com esse expediente, os proventos de
muitos médicos sejam majorados em mais de R$ 100 mil por mês, obtidos a partir
de várias cirurgias feitas com material superfaturado.
Na maior parte dos casos, quem paga a conta desse festim
infernal são os planos de saúde e o SUS.
Mas, como os planos de saúde nunca levam prejuízo, o que
acontece é que esses custos extraordinários são repassados aos clientes, na
forma de reajustes nos preços dos carnês da saúde complementar. No SUS, é o
dinheiro público que deixa de ser gasto para melhorar o atendimento à população
carente, e vai para os bolsos dos criminosos de branco.
Ou seja, todos —eu, tu, ele, nós, vós, eles— pagarão pelos
rendimentos escandalosos dos médicos corruptos.
O esquema é oferecido quase que abertamente em congressos
médicos, junto aos quais, como regra, instalam-se grandes estandes de vendas de
equipamentos e próteses. Neles, os representantes comerciais vão direto ao
ponto: comissão de 20%, 30%, 40%, até de 50% sobre o preço da prótese. O médico
recebe a propina em dinheiro vivo.
Um dos melhores e mais reputados hospitais particulares de
São Paulo, o Hospital Israelita Albert Einstein, ficou encafifado com a
quantidade de cirurgias que os médicos estavam indicando. E formou um grupo de
especialistas para fazer, durante um ano, a revisão dos pedidos de cirurgia.
De 1.100 pacientes com tais pedidos, menos de 500 (menos da
metade!) tinham uma real necessidade de cirurgia. “Então, muito possivelmente,
estava havendo um exagero em relação a essas indicações”, disse Cláudio
Lottenberg, presidente do Hospital Albert Einstein.
É gravíssimo. O ortopedista, o médico de fraturas, é um tipo
especial de vendedor de serviço. Lida com um “freguês” que em geral está em
sofrimento, com a mobilidade reduzida, com dor, às vezes “chapado” de
analgésicos. Está rendido, entregue.
Mesmo que esteja acompanhado pela família, encontra-se em
condições de extrema fragilidade. Desesperam-se ele e seus entes queridos, que
o querem livre da dor o quanto antes.
Trata-se, portanto, este paciente, de uma presa fácil dos
médicos corruptos. Dificilmente, ele tem condições de ir a outro ortopedista,
para colher uma segunda opinião. Ou uma terceira, como se deve fazer quando o
caso não implica dores lancinantes ou risco de morte.
Eis porque impressiona o fato de a máfia operar com tanta
desenvoltura, com tanto desembaraço, tão amplamente, vendendo serviços e
operando sem necessidade. Porque esses pacientes precisariam estar mais
protegidos pelos órgãos de fiscalização e normatização da prática médica, como
o Conselho Federal de Medicina e os conselhos regionais de Medicina. Mas aí
moram todos os pecados do corporativismo tacanho…
Estudo das pesquisadoras Lúcia Maciel Castro Franco e Flávia
Falci Ercole, da PUC de Minas Gerais e da Universidade Federal de Minas Gerais,
mostrou que, “nos procedimentos ortopédicos, é frequente a utilização de
materiais de implantes [próteses], o que aumenta o risco de infecção
pós-operatória, complicação que pode levar até mesmo à perda do membro
operado.”
Segundo as professoras, a infecção no local da cirurgia
ortopédica “prolonga o tempo de internação do paciente por até duas semanas,
dobra as taxas de reospitalização, aumenta os custos com a assistência em mais
de 300% e pode, ainda, causar limitações físicas, emocionais e redução
significativa na qualidade de vida do paciente”.
Quantas pessoas já não terão perdido a vida por complicações
de cirurgias desnecessárias? Quantas pessoas não trarão sequelas graves, frutos
dessas operações desnecessárias? Quantos dias de trabalho perdidos? Quanto
dinheiro gasto em analgésicos, anticoagulantes, curativos, anti-inflamatórios,
antibióticos?
Essa máfia precisa ser banida do exercício da medicina.
Precisa ser punida exemplarmente. Ou restará a desmoralização de uma categoria
profissional inteira, com os bons pagando pelos inescrupulosos, negocistas e
corruptos. Pelos bandidos, enfim.yahoo
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