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sexta-feira, 28 de junho de 2013

Mulher Prostituta: da Ocupação a Profissão

Prof. Carlos Alberto A. Lima
“Ato ou efeito de prostituir-se, vida de devassidão, profanação”; “uma profissão com qualquer outra, entretanto é discriminada devido os olhares impregnados de valores morais”; “uma derivação – deturpação do sentido – do ato sexual, legitimado pelos costumes e pelo casamento, transformado-se em fonte de renda”; e por fim “produto de uma sociedade de consumo, logo o segmento portador deste papel, a mulher, passa a ser assumida como uma mera mercadoria”.




Essas são algumas das múltiplas definições que poderíamos dar para aquela que é considerada a “ocupação/profissão mais antiga do mundo”. Porém, deve-se ressaltá-la e afirmá-la como uma categoria prenhe de significados e de conotações históricas, desfazendo, assim, uma visão a-histórica e atemporal de algumas produções científicas, que negam a sua dinâmica e qualificação, enquanto construção social.
A prostituição, aqui, será entendida como: “um contínuo de relações possíveis entre homens e mulheres que combinam sexo e dinheiro sem passar pelo casamento ou pela procriação”. Portanto, por mais que reconheçamos que as práticas meretrícias confundam-se com história da humanidade, iremos admiti-la, enquanto uma instituição social que está intimamente ligada à consolidação do capitalismo e conseqüentemente a ordem burguesa. Assim, teremos em todas as partes do mundo, a partir da segunda metade do século XIX, a construção de um mercado dos desejos e dos prazeres, tendo a figura da prostituta como sua mestra de cerimônia. De acordo com o filósofo Michel Foucault, esse século de consolidação capitalista diferencia-se dos tempos anteriores de implantação do mesmo. Se outrora o sexo, e todas as suas práticas, sofriam uma forte repressão por parte dos discursos moralistas, particularmente emanado pela igreja e pela concepção capitalista pré-burguesa, que viam a incompatibilidade entre sexo e o trabalho, nesse momento o próprio sistema capitalista, com a sua lógica de transformar tudo em mercadoria, passa a fomentar a capacidade de consumo dos indivíduos, permitindo com isso a inauguração de uma “Indústria do Sexo” e, por conseguinte a “mercadorização” do prazer.
Nesse projeto, onde a prostituição está plenamente enquadrada nos desígnios do sistema capitalista, reconhecemos a prostituta como representante da classe trabalhadora, mas numa categoria marcada por peculiaridades, significados e dúvidas, pois sua condição de trabalhadora diferencia-se em muito de um modelo explicativo clássico, no qual os trabalhadores estão divididos em dois grandes grupos fundamentais: um que detém o próprio meio de produção, a exemplo do camponês, artesão, classificados como autônomos; e o outro, que é totalmente destituído do meio de produção e que vive do salário – venda de sua mão de obra. Dessa forma, mesmo na prostituição de bordel, portadora de uma organização e tendo suas relações previamente estabelecidas entre o agenciador e a meretriz, não podemos afirmar a ocorrência da diferenciação entre os detentores dos meios de produção e os/as despossuídos dos mesmos. Na nossa avaliação, isso é devido às características peculiares da força de trabalho da mulher prostituta e da possível mercadoria produzida por ela, na medida em que comercializa fantasias, desejos e ilusões, buscando, assim, satisfazer as luxúrias masculinas. Com efeito, seria o prazer sexual, algo efêmero e que se contrapõe a uma materialidade das mercadorias produzidas pelo capitalismo, a mercadoria advinda da rameira.
No entanto, esse momento de consolidação de um capitalismo avançado é marcado por uma ambivalência/contradição: em primeiro lugar, foi à época que as prostitutas assumiram verdadeiramente o estigma de “delinqüentes e de imorais”, sendo responsabilizadas pela sociedade como transmissoras das doenças sexuais, com destaque para a sífilis. Percebemos, assim, que além do forte controle ainda exercido pela igreja – defensora da moral – a prostituição passou a ressentir-se de um novo algoz, o discurso médico - representante do conhecimento científico – que a todo custo buscava normatizar o espaço e o corpo dos indivíduos. Essa forte repressão fez parte do projeto modernizador e de progresso, que foi disseminado pelo mundo e que ganhou ressonância aqui no Brasil, com a República.
A partir dessa forma de controle, decorre uma tensão entre duas perspectivas: uma regulamentarista, oriunda do liberalismo francês, que tinha a preocupação em regular o funcionamento da prostituição; uma proibicionista, emanado por aqueles que viviam sob a égide da moral vitoriana, que defendiam o fim daquela que representava a violação do bem sagrado, o corpo.
Em segundo lugar, a prostituição é reconhecida, tanto pela sociedade, quanto pelas próprias prostitutas, como sendo um meio de ganhar o sustento, ou seja, a partir do século XIX, desenvolve-se um comércio sexual, como nos esclarece o sociólogo Nickie Robert : “Numa sociedade que é dominada pelo mercado e em que a maioria das pessoas tem de vender o seu trabalho para sobreviver é inevitável que algumas pessoas continuem proporcionar serviços sexuais.”
Podemos inferir que o final do século XIX é o marco de construção da “Indústria do Sexo”, destaque para a profissionalização dos bordéis, que são transformados em verdadeiras organizações comerciais e passam a oferecer não apenas serviços sexuais – puro e simples – mas propiciam diversão e lazer para os clientes, sendo responsáveis por animar as noites nas nascentes cidades.
Essa dita profissionalização chega ao limite de estabelecer uma diferenciação entre prostíbulos, destinados para as classes mais abastadas, onde são encontradas mulheres consideradas chiques e seguidoras de um moderno código de convívio social, importados, principalmente da França. Eram lugares reservados para bate-papo, consumir champanhe, sempre acompanhados por mulheres belas e bem vestidas e, claro, também para o deleite sexual. Conforme a historiadora Margareth Rago, destaca-se em São Paulo o Moulin-Rouge, Éden Theatre e o Sar Phará. Coexistiam também os de baixo meretrício, zonas marcadas pela devassidão, violência e pela decadência físico/moral, que eram visitados por homens considerados rústicos, recém-chegados do mundo rural ou ainda imigrantes que se relacionavam com mulheres decaídas, empobrecidas, que tinham a venda do sexo como a única forma de sobrevivência.
Fica estabelecida, a partir dessa dita profissionalização do comércio sexual, uma diferenciação de classe, seja por parte de quem exerce; seja também por parte do consumidor dessa espécie de mercadoria. Foi exatamente essa diferenciação que direcionou os olhares, as ações e as medidas das autoridades ante a presença da prostituição nas ruas urbanizadas e modernas, assim o discurso, tanto de juristas, médicos, jornalistas e intelectuais, variavam de acordo com o grupo e a área de meretrício que estava reportando-se, se fosse direcionado para um ambiente freqüentado pelas classes dominantes, a parcimônia e a complacência seriam maiores do que em relação à prostituição pública do baixo meretrício.
Assim, fica explícito que a prostituição, com a consolidação do capital, tornou-se mais uma atividade comercial, onde a circulação da moeda era imanente ao seu funcionamento. No entanto, torna-se imprescindível, para discuti-la mais profundamente, levarmos em consideração o conceito de gênero e a concepção de identidade e alteridade. Mas aí será numa outra oportunidade.
Fonte: d'O Historiante

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