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sábado, 13 de julho de 2013

Não sou ET... Me Olhe com Naturalidade



Por Stella Rios
“Eles chegavam de cabeça baixa, tiravam as roupas e às vezes eu via lágrimas escorrendo na hora da foto. Sentiam vergonha daquilo”.  A cena decorrente no dia a dia de trabalho da fotógrafa Kica de Castro a motivou a mudar as perspectivas daquelas pessoas que haviam perdido a autoestima por serem diferentes. Ao longo de cinco anos, Kica transformou a sala de um centro de reabilitação para pessoas com deficiência, onde tirava fotos para prontuários médicos, em um estúdio fotográfico com espelhos, maquiagens e acessórios. “Comecei a tratar os pacientes como modelos, como se fosse um editorial de moda”, contou.
A iniciativa, criada a princípio para diminuir o constrangimento e tristeza dos pacientes em frente à câmera, foi mais longe. Kica virou empresária e montou uma agência para modelos com deficiência em 2007. A fotógrafa, que começou com apenas cinco agenciadas, hoje já cuida de 80 modelos deficientes físicas, visuais, auditivas e intelectuais em todo o País, que fazem editoriais de moda, campanhas de grifes e desfiles. “Meu sonho não é uma semana de moda, mas a capa de uma revista masculina com uma modelo deficiente nua. Assim terei certeza de que a inclusão foi feita”, afirmou sobre o que quer conquistar.


A “casa” que abriga os sonhos para que “beleza e deficiência não sejam mais palavras opostas” fica em uma sala aconchegante no Tatuapé, em São Paulo. É lá onde acontecem testes para integrar o casting e ensaios fotográficos da agência. “Não é mais uma coisa que ela faz apenas para a gente se sentir bem, é um trabalho”, comentou a modelo e atriz Juliana Caldas, 26 anos. Membro da agência desde 2010, Juliana contou que estranhou a proposta de trabalhar como modelo no início: “quando pensamos em moda, vêm à cabeça pessoas com 1,80 m”, afirmou ela que tem apenas 1,22 m de altura. “Mas a Kica mostrou que ser diferente é legal”, acrescentou.

A reação da atriz e modelo Priscila Menucci, 38 anos, não foi diferente quando foi convidada pela fotógrafa a fazer parte da agência: “perguntei ‘oi?’”, contou.  Mas Priscila, com 91 cm de altura, mergulhou na ideia e hoje já é representante da grife Fator Brasil, de roupas destinadas a pessoas com nanismo, e da marca de sapatos Via Mara. “Somos referência de moda também”, disse ela. Apesar de a maior parte do casting ser composta por mulheres, existe espaço para os homens. “Alguns são mais vaidosos do que todas as mulheres juntas”, comentou Kica.

É o caso, segundo ela, do jogador de basquete e modelo Diego Madeira. “Não era a pessoa mais vaidosa do mundo, mas sempre procurei colocar uma roupa legal, arrumar o cabelo e deixar o corpo em dia”, contou. Diego usa muletas ou cadeira de rodas para se locomover, pois teve mielomeningocele, má-formação na coluna vertebral. Ele conheceu Kica quando tinha 24 anos, em 2008. Como modelo, fez editoriais ao lado de modelos com e sem deficiência física e desfilou algumas vezes em São Paulo. Para ele, a inclusão dos deficientes no mundo da moda é um "processo natural", pois o público consumidor com o perfil é cada vez maior. O Censo de 2010 do IBGE apontou que o País tem mais 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência.

“Já vi pessoas apontando e rindo. Eu não ligo”.
A frase é de Juliana, que nasceu com nanismo. A luta é diária e existem situações em que as pessoas “normais” simplesmente a descartam por acharem que ela não é capaz de fazer algo. E, é claro, que em alguns dias ela acorda para baixo. “A gente trabalha muito para conseguir espaço, mas não é uma coisa impossível, por isso a gente acredita”, disse. Juliana, Priscila e Diego nasceram deficientes e aprenderam a lidar com as diferenças. Eles apostam em uma transformação social que aceite melhor a diversidade e confie na capacidade das pessoas independente de como elas sejam.

O tamanho de Priscila não a impede de conciliar o trabalho de atriz com peças de teatro, os editoriais de moda, desfiles, os quadros que faz no programa de Gilberto Barros e o ativismo em prol da criação de leis para o nanismo. “Ainda tenho dois filhos pequenos e marido”, acrescentou.

De expectadora a deficiente 
A história de vida de Paula Pereira Ferrari, 29 anos, é um pouco diferente das anteriores. Ela sempre lidou com a deficiência física, mas do lado de fora desse universo. Formada em fisioterapia, ela trabalhava em um centro de reabilitação para deficientes físicos, quando teve que passar por uma cirurgia para a retirada de seis miomas. Ela tomou anestesia raquidiana, fez a operação, no entanto, passou por complicações por causa do procedimento anestésico: “tive uma infecção na medula”. Pouco tempo depois da cirurgia, as pernas de Paula começaram a tremer, a ficarem instáveis e há pouco mais de um ano ela passou a usar uma cadeira de rodas para se locomover.



“Quando você já nasce com a deficiência é um processo mais natural do que quando você adquire. Existem muitas mudanças na imagem corporal, no corpo e na vida em si”, disse ela. Trabalhar como modelo ajudou a resgatar a autoestima de Paula. “Você olha a foto e pensa que não é tão ruim assim”, disse.  Ela já fez editoriais de moda e desfiles depois que entrou parao casting. “A Kica possibilita as pessoas verem a gente de outra forma. Não precisa achar que a gente é igual, mas ninguém é E.T., é só olhar com naturalidade”, afirmou.

Ciente de que a lesão medular não tem reversão, apenas melhora, Paula busca sempre uma forma positiva de encarar os obstáculos da vida. Bem humorada, ela disse querer pernas que funcionem para fazer poses durante o ensaio para o Terra. “Quando alguém pergunta qual é o meu problema, eu já respondo ‘tenho vários, qual você quer saber?’. Falta de dinheiro é um dos principais”, brincou.
Mercado de trabalho
Segundo Kica, quando uma empresa quer contratar um modelo deficiente, prefere que a deficiência seja física, para causar maior impacto. “Querem cadeira de rodas, prótese, nanismo, algo visual”, exemplificou. Os editoriais e desfiles para marcas de roupa, com foco em “moda inclusiva”, são os mais frequentes, segundo a fotógrafa, diferente dos comerciais de TV. Os cachês são equivalentes aos pagos às pessoas sem deficiência, afirmou a dona da agência.



Para fazer parte do casting, Kica explicou que não basta ser deficiente, é preciso passar por um teste de fotogenia, saber lidar com a câmera, se expressar, ter autoestima e não ter timidez. Caso a pessoa seja aprovada, ela faz um book gratuito para compor o material de apresentação. “Quando eu consigo um trabalho para a modelo, fico com uma porcentagem do cachê”, explicou sobre o funcionamento da agência. Kica exige das agenciadas cuidados com a pele, unhas, cabelos e forma física. Ensaio fotográfico para recordação pessoal, sem intenção de atuar como modelo, é cobrado. 
Fonte: Terra

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