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quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Pesquisa Mostra que 68% das Crianças Pobres Apanham Dentro de Casa

Por Luciano Ribeiro

No último dia 11, Tamires Augusto, de 25 anos, foi presa num bairro pobre do município de São Francisco de Itabapoana - Rj, acusada de provocar a morte, por espancamento, do filho Luiz Otávio, de 2 anos. Isolado, o caso já é extremamente grave. Mas ele representa uma realidade mais ampla: em muitos lares, a violência contra crianças é corriqueira. Segundo uma pesquisa realizada pelo Centro de Análises Econômicas e Sociais da PUC do Rio Grande do Sul (CAES/RS) em cinco comunidades do município do Rio e uma de Caxias, 68% das crianças são surradas.



E são exatamente as de 2 anos as agredidas com maior frequência, como comprovam os resultados do estudo no Morro da Formiga, na Tijuca. Ali, enquanto 0,9% das crianças de 8 anos apanham “muitas vezes”, no caso das de 2 anos (e até os 18 meses elas ainda são consideradas bebês), essa frequência salta para 25%.
— É muito grave a situação, porque trará sérias sequelas para o desenvolvimento desse adulto. As crianças que mais apanham também são as que mais se envolvem em brigas, que mais têm problemas para se relacionar, que apresentam maior dificuldade para aprender e para se desenvolver. Essa violência doméstica não pode mais ser tratada como problema pessoal. É um problema social, para o qual é necessária a criação de políticas que possam quebrar esse paradigma de que bater resolve — afirmou o professor Hermílio dos Santos, coordenador do projeto do CAES/RS.
Dados de postos de saúde e UPPs
O Projeto Infância e Violência: Cotidiano de Crianças em Favelas ouviu 1.050 moradores (843 adultos e 207 crianças entre 6 e 8 anos) nas seis comunidades. Também foram feitas entrevistas com professores, líderes comunitários e profissionais de serviços como postos de saúde e UPPs. Segundo Hermílio, o objetivo foi compreender os mais diversos aspectos do cotidiano das crianças em favelas, principalmente sua relação com os diferentes tipos de violência.
Com uma equipe multidisciplinar das áreas de sociologia, economia, psicologia, ciência política e urbanismo, as entrevistas e os levantamentos começaram em julho de 2012 e foram realizados nos morros da Formiga, dos Macacos (Vila Isabel) e nas favelas Parque Maré, Vila Cruzeiro (Penha), Minha Deuza (Realengo) e da Mangueirinha (Caxias).
O projeto foi realizado com apoio do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Cidade (Central) da PUC-Rio, para a coleta dos dados, e financiamento da Fundação Bernard van Leer. Embora o trabalho ainda não tenha sido concluído, já apresenta alguns diagnósticos importantes:


— As meninas são as que mais apanham na infância. As mães jovens, de menor renda e com mais filhos são também as mais agressivas — disse o professor.
No Morro da Formiga, por exemplo, em 51% dos casos as mães foram responsáveis por bater nos filhos; em 18%, os pais e, em 13%, os avós.
O estudo mostra também que a refeição em família está longe de ser um momento sagrado:
— Quando a criança toma café da manhã e almoça com os pais, aumenta em três vezes a chance de sofrer. Entre os principais motivos para o castigo, estão a pirraça, a desobediência e o choro — informou o professor.
Outra forma de violência comum, o grito, atinge em média mais de 70% das crianças. No Morro dos Macacos, as entrevistas revelaram que em 67% dos casos as mães gritam com seus filhos de 2 anos “muitas vezes”.
O estudo mostrou ainda que fatores arquitetônicos das favelas — como vielas e becos sem saída e falta de espaços de lazer — têm relação direta com a violência doméstica contra as crianças.
— Locais isolados ou de difícil acesso, por exemplo, reduzem a possibilidade de a violência ser testemunhada por terceiros. Já as casas perto de ruas com pedestres têm menor incidência de violência, sugerindo que a proximidade com os vizinhos têm influência sobre pais violentos — disse Hermílio. — Por maior que seja o nível de estresse, por mais grave que sejam as condições desses pais, ainda assim bater é uma covardia.
Os colégios nas comunidades registram constantes casos de alunos que sofrem violência em casa. No Morro da Formiga, a pesquisa ouviu representantes da Escola Municipal Jornalista Brito Broca, a única que atende a região.
— Quando cheguei aqui no ano passado, a situação era caótica. Era briga o tempo inteiro. Mas algumas crianças já chegavam aqui marcadas. Tivemos que chamar as famílias para conversar. A situação melhorou, mas ainda está muito distante do ideal. No outro dia, uma mãe virou para o filho e perguntou: “Há quanto tempo eu não te bato?”. Como se estivesse dizendo para a criança que tinha feito a parte dela e que agora era vez de o filho fazer a parte dele — comentou a diretora-geral Ângela Josefa Almeida Guedes.
Para tentar aproximar as famílias e mudar o quadro de violência, o colégio fez uma parceria com a ONG ICOS Cidadania, com o objetivo de implantar o projeto Gentileza Gera Gentileza. Com base nos dados da pesquisa, a ONG elaborou um programa multidisciplinar que envolve pais e filhos. As crianças participam de iniciativas para a criação de painéis com frases sobre gentileza e a teatralização de seu cotidiano, como forma positiva de refletir sobre a violência. Na última quinta-feira, das cinco meninas que participavam da montagem de um dos painéis, quatro admitiram que ainda brigam muito na escola ou com seus irmãos.
— Hoje a colega esqueceu o estojo e eu emprestei meu material para ela. Isso é gentileza — disse Mikaelly Simões, de 11 anos, para depois contar que está tentando brigar menos com sua desafeta na escola. — Eu agora fico longe dela.
Reuniões semanais de terapia
Segundo Patrícia Duarte, coordenadora da ONG, tudo vira motivo de confusão entre os alunos:
— Outro dia perguntei a um aluno por que tinha brigado com o colega. Ele disse que foi ofendido, que disseram que na casa dele não tinha comida.
Para as famílias, são feitas duas reuniões semanais de terapia, onde as mães discutem suas experiências. Dinâmicas de grupo ajudam a liberar o estresse e a criar uma rede de solidariedade para mudar comportamentos. A ONG escolheu mães que se tornaram multiplicadoras. Elas levam experiências positivas para outras.
— Um dia, num acesso de raiva, joguei um chinelo perto do meu filho para assustá-lo e bateu no rosto dele. Vi que estava na hora de pedir ajuda — contou Lara Ribeiro, uma das multiplicadoras.
Assunto divide especialistas
Relacionar a violência física contra crianças ao comprovante de residência de onde o crime é cometido é algo polêmico. Há quem acredite que na Zona Sul o espancamento seja tão comum quanto nas comunidades, como há também os que defendem que as classes baixas são mesmo as que mais sofrem com o problema.
De acordo o desembargador Siro Darlan, ex-responsável pela 1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio, a prática de bater em crianças ocorre independentemente da renda.
— A questão da violência contra a criança é cultural. Desde sempre, em todas as classes, há esse tipo de violência. Existe um projeto de lei, a Lei da Palmada, que já está há cinco anos tramitando e não passa de jeito nenhum, porque há uma resistência enorme — diz o desembargador. — Acham que tem que se tratar criança “na porrada”. Acreditam que educar é bater. E isso no Congresso Nacional, o que prova que não é uma questão de classe.
No entanto, segundo a conselheira Heroína de Assis, do Conselho Tutelar da Zona Sul, a violência doméstica contra crianças é muito maior nas comunidades:
— Na classe média, isso não acontece com tanta frequência. O espancamento ocorre em lugares carentes, sem estudo, onde há pobreza mesmo. As pessoas se preocupam muito em colocar UPPs nas comunidades, mas esquecem que é necessário outros tipos de atendimento.
A historiadora Mary Del Priore, organizadora do livro “História das crianças no Brasil”, aponta duas causas para a violência contra as crianças:
— Baixo nível de instrução, que nada tem a ver com classe, porque existe gente rica sem o menor nível de instrução, e o hábito de pais que apanharam muito na infância de repetirem a prática com os seus filhos.

oglobo


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