Por Stella Rios
Viúva há três anos, Judith Caggiano precisava aprender a sorrir e a sair de casa sozinha. Depois de cinco décadas dedicadas ao casamento, a morte do marido possessivo - mas excelente pai, ela garante - encerrou um ciclo. “Virei dona da minha própria vida aos 72 anos”, conta em entrevista ao Delas.
Como um inusitado contraste aos cabelos brancos, uma tatuagem tribal foi o desenho escolhido para marcar a fase. Na região da nuca, a “Liberdade”, como chama a primeira tatuagem, dividiria espaço, no futuro, com outras 67, que ela exibe hoje com orgulho, aos 82 anos. “Meu casamento foi maravilhoso, mas não era nada do que eu esperava. Ainda assim cumpri meu papel e criei nossos filhos”, desabafa Judith.
O novo visual, composto por 18 piercings, anéis em todos os dedos e um generoso decote, que certamente seria desaprovado pelo falecido marido, segundo ela, está muito longe dos hábitos que mantinha quando casada. A única peça que trouxe da antiga fase foi o saiote, uma espécie de forro que ainda usa por baixo de saias e vestidos.
Conhecida e com entrada liberada nas principais casas noturnas de Santo André, região metropolitana de São Paulo, Judith aprendeu a gostar de punk rock, reggae e samba ao lado de jovens de 19 anos. “Não tenho amigas com a minha idade, só conhecidas. Mulher muito velha só fala de doença e dores. Fico com os jovens porque eles falam a minha língua, tá ligada?”, explica a senhora, exibindo um vasto cardápio de gírias jovens, todas coletadas nas baladas que frequenta.
No corpo, desenhos de estrelas cobrem o ombro e braço direito e representam os filhos, netos e bisnetos. Nas costas, leva uma fada e um sol durante o amanhecer. “Apresento ela como a safada. Falo tão rápido que ninguém percebe. E o sol representa o início da manhã, quando chego da balada”.
Para Judith, a festa termina sempre às 6h30, horário que a padaria abre com a primeira fornada de pães. Ao chegar a casa, cruza com a filha mais velha Sirlei Caggiano, de 60, que assumiu já ter perdido o controle sobre as saídas da mãe. “Depois que ficou viúva, ela se libertou. Quando fala que vai viajar e passar uma semana fora, eu nunca sei se volta em três dias, uma semana ou três meses”, diz a filha.
Questionada se já sofreu preconceito pelo visual irreverente, Judith faz uma breve pausa e responde: “Se sofri, não percebi. Meu sorriso vai na frente”. Para ela, as tatuagens e os piercings não são fundamentais, mas ajudaram a expor ao mundo e aos familiares a real personalidade. Velhice e morte não ocupam o pensamento da dona de casa.
“Idade pra mim é um número e tatuagem é avanço. Morte? Sei que tenho um prazo de validade. Vou lá saber quando vou vencer, meu. Minha vida é linda.”
A relação entre Vitor Sanchez, de
59, e as tatuagens não começou na terceira idade, mas é um exemplo sobre o
futuro dos jovens tatuados. A corriqueira pergunta “mas e quando você ficar
velho?” não passou pela cabeça quando ele pisou num estúdio, aos 33 anos. Apaixonado
por desenhos, Vitor iniciou sua saga com até três tatuagens por semana, entre
25 profissionais, até alcançar 94% do corpo tatuado. A dor e o longo processo
de cicatrização valeram a pena para apenas ser um cara diferente na multidão.
“Foi uma febre e nunca gastei
nada com isso. Eu olhava para a minha mão e pensava que no dia seguinte
nasceria com outra”, conta.
Todos os desenhos são assinados
por artistas, por isso, ele nunca gastou com tatuagens. O custo de todo o
trabalho seria de aproximadamente R$ 80 mil, calcula. Entre a miscelânea de
temas, o mais simbólico ocupa o braço esquerdo: figuras natalinas. Conhecido
como o Papai Noel Tatuado na região de São Caetano do Sul, na Grande São Paulo,
Sanchez vive a versão metaleira do bom velhinho. No final do ano, encarna o
personagem em um shopping na zona norte da capital.
Ao contrário de Judith, Sanchez
disse ter sofrido constrangimentos pelo visual que escolheu. “Trabalhava num
escritório de publicidade e perdi o emprego por isso. Em outra ocasião, em um
banco, fui acusado de fraudar um cheque. Tudo pela minha aparência”, explica.
No entanto, ele acredita que o preconceito perderá força diante de tantos
tatuados na sociedade.
“Vestidinho de papai noel [com as
tatuagens cobertas] pais e crianças me adoram. Mas garanto que a reação não
seria a mesma se meu corpo aparecesse”.
A paixão de Sanchez pelas
tatuagens já conquistou seus dois filhos, de 21 e 14 anos. O mais novo promete
que tatuar todo o braço quando alcançar a maioridade. Envelhecer com os desenhos
é motivo de orgulho à Sanchez. “Se eu chegar aos 80 anos, como a Judith, vou
ser um cara muito feliz”.
“Expressão na pele”
Para o experiente tatuador Sergio
Maciel, o Leds, fundador do estúdio com o mesmo nome, na Zona Sul da capital, o
número de velhinhos modernos e descolados irá aumentar.
“Tenho muitos clientes com mais
de 60 e 70 anos, eles querem expressar liberdade. E o discurso é sempre o
mesmo: queriam ter feito antes, mas esperaram por medo”. Estima-se que, entre
os clientes que entram no estúdio por dia, ao menos três estão na terceira
idade.
Leds acredita que a sociedade
conviverá com tantos idosos tatuados que o cenário passará a ser comum, e
deixará de despertar olhares tortos nas ruas. “Hoje já encontramos tatuagens em
todos os segmentos, médico, chefe de cozinha, modelo e dona de casa. Ela nunca
determinou o caráter ou potencial de alguém, mas virou um acessório, como uma
joia”.
Um exemplo da futura terceira
idade tatuada é Anderson Lopes, de 31, que atua como diretor de arte e leva ao
menos 15 tatuagens pelo corpo. E ele começou cedo. Aos 17 anos, decidiu tatuar
o personagem Alex, do filme Laranja Mecânica, no braço.
“Sempre escolhi os desenhos que
representam filmes, músicas ou quadrinhos que gosto. Então não dá para enjoar
deles, é muito pessoal”.
Apesar de já ter sido questionado
sobre envelhecer com as suas tatuagens, Lopes afirma não ter nenhuma
preocupação.
“Se estão ali representam um
momento da minha vida. Não vou perder tempo pensando como ficarão enrugadas.
Serão ainda mais importantes porque carregam uma história.”
Tribuna da Bahia
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