Surfando Com a Notícia
A cena se passou há 17 dias, na madrugada de 13 de outubro. Deu-se na cidade de Vitória, capital do Espírito Santo. Ao deixar uma boate, um cidadão deu de cara com uma blitz da Lei Seca, montada pela PM. Embora relutasse, foi forçado a parar o carro.
Estava sem o cinto de segurança, o braço para fora da janela. Convidado a exibir a habilitação de motorista e os documentos do carro, indagou, dedo em riste: “Você sabe que eu sou coronel da Polícia, né?” E o PM que fazia a abordagem: “Eu não conheço o senhor. Quero a identificação do senhor.”
Em vez da habilitação, o motorista exibiu a carteira de oficial da PM. Lia-se no documento: José Dirceu Pereira, tenente-coronel da Polícia Militar. A ‘carteirada’ deu resultado. O oficial deixou o local sem mostrar os papeis exigidos. O episódio foi narrado no relatório da blitz.
Assina a peça o 2º Tenente da PM capixaba Osvaldo Savergnini do Carmo. Ele anotou que o tenente-coronel Dirceu declarou que os policiais queriam “sacaneá-lo”. Requisitou a devolução de sua carteira funcional, engatou marcha a ré, e saiu sem que lhe fosse dada a permissão. Teste de bafômetro? Nem pensar!
Além de imagens e de um relatório, o episódio gerou três telefonemas para um órgão chamado Centro Integrado Operacional de Defesa Social (Ciodes). As ligações foram gravadas.
Numa, um dos PMs que participavam da blitz pede instruções para o oficial de plantão. Após explicar o que sucedera, ele é orientado a aconselhar-se com o comando do Batalhão de Trânsito. Noutra gravação, feita minutos depois da primeira, outro PM pede à atendente do Ciodes que registre uma ocorrência. Ele narra o episódio sem fazer menção à 'carteirada'.
Na terceira ligação, o mesmo PM pede a outra atendente que cancele a ocorrência que acabara de registrar. A voz feminina pergunta por quê? E o policial informa que recebera ordem de um tal major Bongestad. Tratava-se de de Cleber Bongestad, subcomandante do Batalhão de Trânsito.
José Dirceu Pereira, o tenente-coronel que se considera acima da lei, trabalha, veja você, como assessor jurídico do comandante-geral da PM do Espírito Santo, coronel Edmilson dos Santos. O Ministério Público pediu o afastamento dele e de alguns policiais envolvidos na ocorrência. O pedido foi desatendido.
Embora a narrativa do caso inclua imagem, som e textos, o corregedor-geral da PM, coronel Marcos Celante, disse: “Preferimos avançar um pouco mais nas investigações.” Abriu-se um Inquérito Policial Militar. Noves fora as transgressões militares, há pendências enquadráveis na legislação de trânsito. “A lei é clara. Qualquer pessoa tem que apresentar habilitação e documento do veículo numa blitz”, reconhece o próprio o coronel Celante.
Em sua defesa, o tenente-coronel Dirceu alega que sofreu uma abordagem indevida. Heimmm?!?!? Para ele, só um oficial de patente igual ou superior à sua poderia ordenar-lhe a exibição dos papéis. Ele move processo contra o sargento que o abordou na blitz. Levando-se o raciocínio ao pé da letra, se um general do Exército for pilhado transgredindo as leis ao volante, só o ministro Celso Amorim (Defesa) ou Dilma Rousseff poderiam importuná-lo.
A propósito, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), talvez devesse considerar a hipótese de dar as caras. Levando-se em conta que o infrator, os policiais que se abstiveram de multá-lo e os superiores que o protegem continuam nos respectivos postos, alguém precisa demonstrar que o Estado tem comando.(uol)
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